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DUPLO MOVIMENTO

 

Realizadas em co-autoria com a cineasta Célia Freitas, Nadando e passantes, as duas obras de Daisy Xavier aqui apresentadas não são propriamente vídeos mas videoinstalações – mais que um detalhe de ordem técnica, essa designação implica a incorporação do espaço arquitetônico e, por conseguinte, o envolvimento do corpo daquele que as contempla.

Ao invés de obras voltadas exclusivamente aos olhos, obras para serem vistas de fora, com uma distância que você, visitante do instituto Tomie Ohtake, pode calcular, na razão de seu desejo de envolver-se mais ou menos com elas, Nadando e Passantes, as duas protagonistas dessa exposição, exigem bem mais do que isso. Vê-las significa estar dentro delas, acompanhando, no caso de Nadando, a cadência compassada com que uma nadadora vai ferindo longitudinalmente o plano d´água; girando o próprio corpo como se estivesse sendo enovelado pela imagem. O mesmo tipo de adesão acontece com Passantes, que, composta por duas projeções simultâneas, exige decisões intermitentes e bruscas acerca de qual delas deverá ser acompanhada. Também nela, leitor – isto é, uma vez dentro dela -, seu corpo será ativado, obrigado a um movimento feito em obediência à obra. Experimentando-as, percebendo essa peculiar experiência em que as dimensões espaço-tempo se fundem, é provável que lhe venha a indagação: quem se movimenta?

 O problema do movimento parece ser a pedra de toque da poética de Daisy Xavier. A começar pela proposição da imagem, que se comporta como um duplo daquele que a observa. Pois a questão principia por ai: quem é esse que eu vejo cortando a água horizontalmente, vencendo com disciplina, sem mostras de cansaço ou esmorecimento, sem sofrear o ritmo? De quem é esse corpo que me leva consigo, arrasta-me à tona d’água, uma quilha longilínea, opondo-se com a decisão imperturbável  de uma linha reta à inconsutilidade e infinitude do azul?

 De modo homólogo, em passantes  assiste-se à tensão entre corpo e casa. Corpo que se entrevê pelas malhas de uma rede, esse curioso aparato que, conquanto seja capaz de reter as coisas, garante que se mantenham visíveis. Um modo de assinalar a reciprocidade entre o dentro e o fora, a comunicação eo  intercâmbio constante entre esses dois termos. Vai-se vendo um corpo que evolui de um contorno difuso a uma forma definida, dentro e fora de uma casa. Percorremos essa casa desde dentro,rente às suas paredes e piso e sempre em velocidade, num fluxo que se interrompe para que sejamos golpeados pelas máquinas que a vão demolindo. O corpo como o outro, a rede como pele, a casa como corpo. Os escombros, os pedaços de paredes que caem em movimentos desencontrados,verticais e horizontais, contam-nos sobre uma desagregação iminente promovida pela passagem do tempo, esse senhor implacável, que abre poros nos espaços, que transborda da tela arrojando-se para o espaço da sala onde estamos, colhendo nosso próprio corpo, assaltando-nos, nós que insistimos em  nos supor a salvo dele.

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